quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

CIDADANIA, INCLUSÃO E CULTURA: UMA ABORDAGEM POPULAR (Segunda Parte)

Retomando a temática cidadania; infelizmente, muita gente que proclama ser cidadão (ã), está longe de auferir tal feito histórico.

Historicamente, a cidadania no Brasil ainda está por acontecer, pois mesmo com o chamado processo da redemocratização, ser cidadão (ã) por aqui, constitui-se uma obra de ficção científica.

Lamentavelmente, nossa pirâmide social ainda permanece invertida.

Interessante é que muitos líderes proclamadores da cidadania, não são cidadãos nem em seus próprios lares. Esquecem que empregadas (os) domésticas (os) constituem vinculo empregatício; esquecem que tratar a esposa como mero objeto sexual e inferior ao sexo masculino, está atentando contra a cidadania. Esquecem que a presunção e (des)humanização, são atentados contra a vida e, diga-se de passagem, sem vida não há cidadania.

No que diz respeito à inclusão em todos os seus aspectos, percebe-se que promover inclusão hoje, é romancear uma linda história entre o senhor e o pobre súbito.

Em primeiro lugar, repito, não existe inclusão sem cidadania e, segundo, inclusão não é paternalismo, assistencialismo e, nem tampouco, clientelismo.

Lamentavelmente a hipocrisia parece ter alavancado essa questão da inclusão, pois o que se ver em muitos casos é aquele velho chavão histórico: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Interessante é que muitos proclamadores da inclusão, disso, daquilo, sei lá o quê; não praticam a inclusão dentro de seus próprios lares. Esquecem que não podem maltratar, nem tampouco discriminar a opção sexual do seu filho ou filha.

Esquecem que não podem expulsar de casa uma adolescente grávida e desprotegida; esquecem que por serem tão inclusivos e ótimos palestrantes na área, não podem impor sua opinião em detrimento de outra.

Infelizmente muitos proclamadores da inclusão, pensam que dar esmolas constitui-se uma prática inclusiva; pensam que uma instituição bem montada e televisiva, constitui-se objeto de inclusão; pensam que as centenas de discussões proferidas nos guetos acadêmicos irão surtir efeito na realidade nua e crua do povo marginalizado.

No que concerne à cultura, repito, cultura é tudo aquilo que o povo inventa e reinventa cotidianamente dentro de seus contextos.

Aprendi desde minha adolescência que ter cultura é falar explicado; falar outro idioma; ser oriundo de uma família abastada; estudar muito, principalmente em colégio particular; em suma, aprendi que cultura mesmo só pertence aos ricos.

Pobre mentalidade essa minha, por isso tenho minha massa cefálica atrofiada em um crânio desproporcional à minha estética corporal. Interessante é que muitos proclamadores da cultura pensam que cultura é apenas aquilo que eles acham que é cultura.

Crer-se que ainda predomina a velha máxima ideológica incutida na mentalidade da massa brasileira, que diz: “cultura é pra quem é chique.” Com isso, vem a idéia de que cultura, só quem a tem, é a elite brasileira. Conseqüentemente, tal ideologia reflete na discriminação e exclusão de tudo o que vem da favela, periferia, sertão, interior brasileiro, em síntese, de tudo o que é pobre, sem recursos.

É comum ouvir pessoas ironizando a cultura popular, em muitos casos servem como motivo de gracejos e vice e versa. Acredita-se que promover cultura é abarcar todos os feitos do povo, com suas complexidades e simplicidades.

Ante o exposto, gostaria de suscitar algumas indagações, até porque ainda continuo “possuído pelo espírito interrogativo.”

Como posso falar em cidadania no Brasil, sendo obrigado a votar? Como posso falar em cidadania, se ainda continuo sendo humilhado nas filas dos hospitais públicos? Como posso falar em cidadania, desrespeitando aos idosos? Como posso falar em cidadania, se ainda vejo os idosos (as) sendo humilhados nas repartições públicas? Como posso falar em cidadania, se as diferenças ainda não são respeitadas?

Ainda continuo indagando. Como posso falar em cidadania, se não pratico a honestidade? Como posso falar em cidadania, sem ao menos saudar um gari ou qualquer outro empregado da rua? Como posso falar em cidadania, se não cuido da minha própria família? Como posso falar em cidadania, sem ao menos ter um mínimo de consciência ecológica? Como posso falar em cidadania, se não me preocupo com o próximo?

Acredito que são nas pequenas ações do dia-a-dia que aprendemos a ser cidadãos (ãs); se promovemos vida plena, logo estamos sendo gente de verdade. Não parece ser simples, mas ser cidadão é sentir-se gente; é valorizar-se; é querer ser criação e não lixo do sistema excludente.

Retomando as indagações. Quem foi que disse que tomar uma cachaça ou coisa parecida, sentado com uma roda de amigos, não é cultura? Quem foi que disse que jogar um dominó ou baralho, fumando um cigarrinho, não é cultura? Quem foi que disse que jogar uma pelada nos finais de semana com amigos mais próximos, não é cultura? Quem foi que disse que tomar um sorvete, debaixo de um sol escaldante a beira de uma linda praia, não é cultura?

Ainda continuo possuído. Quem foi que disse que ir à igreja aos domingos, não é cultura? Quem foi que disse que realizar um churrasco na laje da casa em um tremendo feriadão, não é cultura? Quem foi que disse que tomar um delicioso banho em barragem, açude, cachoeira, rio ou lago, não é cultura? Quem foi que disse que curtir um brega, forró, carimbó, arroxa ou outro estilo musical qualquer, não é cultura? Quem foi que disse que sentar nas calçadas e jogar conversa fora, não é cultura? Trocando em miúdos, tudo o que envolve, encanta, faz sentir-se bem; chamo-os de fenômeno cultura.

Desse modo, enquanto a cidadania não for praticada, bem como as culturas não serem respeitadas; não poderemos falar em inclusão. Crer-se que a inclusão vai além dos trâmites documentais e midiáticos. A priori, o povo precisa aspirar a inclusão, vindo logo em seguida, a mobilização em prol da vida.

Como posso ser inclusivo, se não respeito o direito do outro? Como posso ser inclusivo, se quando tenho um (a) filho (a) especial, logo pergunto: “Meu Deus! Onde foi que eu errei?” Como posso falar em inclusão, se em minha própria casa não a pratico com os meus filhos (as) ditos rebeldes? Como posso falar em inclusão, se excluo tudo o que é diferente do que eu penso e aprendi?

Ainda continuo indagando. Como posso falar em inclusão, sem ao menos praticar algo que venha cercear os dados alarmantes da exclusão social no Brasil? Como posso falar em inclusão, se excluo com minhas próprias palavras e atitudes? Estamos longe de tais feitos.

Enquanto pais de alunos dormem há mais de uma semana enfrente as escolas de Maceió, a fim de garantir, no mínimo, uma vaga para seus filhos; enquanto as pessoas especiais sofrem com o descaso do poder público; enquanto existirem cotas raciais e não sociais; teremos que continuar sonhando com esse negócio de inclusão, cidadania ou coisa parecida.

Vale lembrar que enquanto o espírito de subserviência, colonial e imperialista, predominar sobre o povo, principalmente do interior do país, fica complicado enxergar cidadania.

Acredito que o povo vive numa escravidão camuflada, pois enquanto não se libertar das algemas mentais, o exercício da cidadania, inclusão e manifestação cultural, ainda soará timidamente.

O próprio povo precisa entender que cultura não é embalagem fechada, vinda de fora, pronta para o consumo; mas que se faz por aqui mesmo; eles mesmos são cultura viva.

Ante o exposto, entende-se que cidadania, inclusão e cultura, estão intrinsecamente ligadas. E, mais, ser cidadão, ter cultura e ser incluído, para mim, representa ser o que nós somos e não ser o que as pessoas querem que nós sejamos.

Enfim, eu só gostaria de ser o que eu sou; gente, cheio de falhas e virtudes; aberto às mudanças e inteiramente disposto a construir um Brasil muito mais digno e menos difícil para se viver. Deixem-me ser gente!

Adriano Trajano

Pastor da Igreja Batista em Chã Preta/AL

Fonte: http://www.pastoradrianotrajano.blogspot.com/

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